Técnica de escrita

PESQUISA HISTÓRICA

Precisei ir à Biblioteca Nacional no início do mês, então aproveitei que já estava lá para a pesquisa que eu precisava fazer para minha história atual. Ao se escrever romances ambientados no passado, o mais difícil – e também o mais interessante e desafiador – é saber detalhes históricos para usar no romance. Hoje em dia, com a Internet, é fácil descobrir a história da cidade em que o romance está ambientado, a geografia – inclusive com mapas históricos, e alguns aspectos da vida cotidiana, como festas e eventos culturais. Mas há certos pormenores que textos históricos não contam, e que somente uma pesquisa específica em fontes primárias (documentos da época) consegue resolver. Minha dificuldade no momento era quanto ao valor do dinheiro. Que a moeda no Brasil nas décadas de 1910 e 1920 era o Real (que as pessoas chamavam de “réis”) eu já sabia. Mas quanto valia, por exemplo, mil réis (R 1$000)? Quanto se recebia de salário? Quanto custava a cesta básica? Como Toni oscila entre empregado e desempregado, eu precisava ter certeza de quanto ele ganha e quanto gasta – até porque muitas vezes (por exemplo, quando ele é contratado para um novo emprego) preciso citar isso no texto.

Quando estudei sobre e Greve Geral de 1917, encontrei a informação de que um operário ganhava em média cinco mil réis (R 5$000). Achei que esse valor era por mês, o que fazia de R 1:000$000 (um conto de réis) uma fortuna. Mas eu tinha que ter certeza se minhas suposições eram corretas, então precisava de um tipo de documento da época que me situasse de uma forma mais segura.

Cheguei ao setor de periódicos da Biblioteca Nacional e perguntei como procurar o que eu precisava. A moça que me atendeu explicou: pelo título da publicação. Hein? Pelo título? Mas eu não faço ideia de qual é a publicação que me serve. Mas afinal o que eu quero? Jornais publicados em São Paulo em 1918 (arbitrei a data, considerando a Grande Guerra) que tenham classificados. Eu já tinha feito esse tipo de pesquisa para Tudo o que o dinheiro pode comprar, e achei uma boa estratégia para repetir. Na época, eu procurava a cotação do café para exportação, e ofertas de escravos à venda, para calcular a receita de Miguel, e quanto ele poderia dar de mesada a mulher, por exemplo. Desta vez também, a funcionária, experiente, logo se lembrou de algo e me trouxe três rolos de microfilme do jornal O Estado de São Paulo em 1918. Eu pulei todas as notícias e li apenas os classificados de algumas edições de janeiro e algumas edições de abril. É fantástico, pois encontrei anúncios de oferta de casas para vender e para alugar; roupas masculinas e roupas de cama, mesa e banho; vagas em pensões; e também ofertas de emprego, quando descobri que a informação de R 5$000 que eu tinha se referia à diária, e não a um salário mensal. Descobri também quanto custam ingressos para o cinema e para o teatro; livros, revistas, exemplares e assinatura do jornal. Com essas informações, pude calcular os salários de Toni em seus vários empregos, as despesas dele de estadia e alimentação, e também despesas avulsas, como roupas novas e diversão. É claro que arbitrei quanto custam as coisas que ele paga, mas com uma base de realidade sólida. Se a pensão do anúncio cobra entre R 70$000 e R 80$000 por mês, Dona Luizinha pode cobrar R 68$000; se cada refeição da pensão do anúncio custa cerca de R $600 (seiscentos réis), Dona Luizinha pode cobrar R $640 (seiscentos e quarenta réis, ou dois cruzados). Se uma loja chique cobra R 4$600 por uma camisa, Toni pode comprar numa loja popular por R 1$500. Bem, eu precisava também saber se ele teria sempre dinheiro para pagar suas contas, então montei uma tabela de receitas e despesas, e ajustei os salários e o tempo dele em cada emprego para que ele tenha – ou não – como pagar suas despesas entre 1915, ano em que ele chega em São Paulo, e 1922, quando ele receberá uma proposta de emprego imperdível, desde que… Não vou contar, né?

Faltava só uma informação, que não consegui encontrar nos classificados: o preço da passagem de trem para ele voltar para a casa dos pais em São Carlos. Ajudou-me a Internet, ao me jogar na página do governo do Estado de São Paulo, que já digitalizou documentos governamentais, inclusive do início do século XX, onde encontrei os decretos de aumento de preço. Então agora essa parte financeira está resolvida, e não preciso mais deixar buracos no texto, esperando pela informação. Agora é só organizar meu tempo, para poder escrever mais rápido.